Morre Nelson Mandela, mas seu legado fica. Um legado
de luta e amor pela justiça, liberdade e coragem. Morre aquele que sabia a
importância da Educação para se mudar o mundo. Morre o pai da África do Sul.
Morre um homem, que apesar de ter sido preso por ser negro, e não aceitar ser
discriminado, não expressou o rancor e o revanchismo. Morre um homem simples,
de atitude simples, mas de valor inestimável. Adeus Madiba.
Escrever
sobre Mandela não é uma tarefa fácil. Mandela esteve acima de muitos mortais,
porque simplesmente sempre pregou e viveu a liberdade e direito de todos seres iguais.
Mandela emitiu o reflexo dos nossos medos, na medida em que pregamos aquilo não
vivemos, fazendo Mandela o contrário. Seu rosto não expressava rancor, nem
raiva, mas sua liderança era incontestável, e não sobrepujava ninguém. Não era
autoritária, era a segurança de ser o que se precisa ser, justo. Mandela
sofreu, viveu, correu, esperou, agiu, venceu ,descansou e morreu. Mandela
acima de tudo ensinou, nos ensinou. E claro Mandela nos inspirou, nos inspira.
Mandela vive, e a cada dia que proferirmos as palavras justiça, igualdade e
liberdade, estaremos dando sentido ao nome Mandela.
Nelson Mandela, entregando troféu da Copa do Mundo de Rugby ao capitão François Pienaar; |
Como sou historiador, sou também um
apaixonado pela vida de Mandela e sua insistência em sobreviver, sempre com um
legado a ser deixado. Mandela foi preso por ser negro, em um tempo, não muito
distante, onde segregar significava algo comum. A África foi dividida entre
seus colonizadores, e a África do Sul com o tempo foi aprendendo e se
acostumando a ser escrava. Sua terra foi novamente dividida, e agora os negros,
donos dela, já era expelidas por descendentes holandeses e britânicos. O mundo
via tudo sem problemas. Poucos era os países que se levantavam contra o
Apartheid. Governos mundiais
capitalistas não se mexiam, e entendiam que o apartheid seria uma chance de
travar o comunismo na Europa. Para se ter uma idéia, em 1977 a África do Sul
foi condenada pela comunidade internacional, mas só em 1985 a ONU convocou uma
Assembléia para discutir e aplicar sanções econômicas. Margaret Thatcher,
Primeira Ministra da Inglaterra, é acusada até hoje de sua ligação com o regime
de segregação racial sul-africano. Essa lentidão mundial, prolongou a vida do
regime. Em 1918 o Projeto de Lei sobre Nativos em Áreas Urbanas obrigava negros
a viverem em áreas específicas. O Apartheid tinha até uma legislação, que
proibia negros de circularem em áreas do país, e determinava serviços públicos
para cada raça. Os hospitais dos brancos por exemplo, poderia ser comparado aos
melhores do mundo, enquanto os destinados ao negros era deplorável. Qualquer
pessoa podia ser tachada de comunista e presa. Em 1953 um sistema de ensino foi
preparado. O sistema de Educação para os negros tinha o objetivo de prepará-los
para os serviços braçais. Mesmo assim Universidades foram criadas para negros,
e em uma dessas Universidades Nelson Mandela se formou em direito. Por falar no
nome dele, Mandela não tinha o nome de “Nelson”. Seu nome era Rolihlahla
Dalibhunga Mandela, mas ganhou o seu primeiro nome na escola, que retirava
os nomes nativos, por nomes ingleses.
Local onde Mandela ficou preso na Ilha Robben |
Mandela
foi o maior líder da resistência negra contra o regime. No dia 21 de Março de 1960, ocorreu na cidade de Sharpeville,
na província de Gauteng, na África do Sul,
um protesto, realizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC). O protesto pregava
contra a Lei do Passe, que obrigava os negros da África do Sul a
usarem uma caderneta na qual estava escrito aonde eles poderiam ir. Cerca de
cinco mil manifestantes reuniram-se em Sharpeville,
uma cidade negra nos arredores de Johannesburg,
e marcharam calmamente, num protesto pacífico. A polícia sul-africana conteve o
protesto com rajadas de metralhadora. Morreram 69 pessoas, e cerca de
180 ficaram feridas. Em 1961 lançou a “Lança de uma Nação”, um braço armado do
CNA. Realmente não existia mais o porque da existência de uma resistência
pacífica. Preso alguns anos depois, ele passa pelo Julgamento de Rivonia e foi
condenado a prisão perpétua. O prisioneiro 46664, como era conhecido, foi
enviado a Ilha Robben. Encarcerado em uma cela de 2,5 por 2,1metros, com uma
janela de 30 cm, Mandela decidiu que apesar das privações, poderia se preparar
para mudar seu país. Juntos com outros presos trabalhava na pedreira da prisão
e de lá, ficou sabendo da morte da mãe em 1968 e do filho em 1969. Sobre a
morte de seu filho, existem suspeitas de que o seu carro foi sabotado pelo
regime. Mandela ficou preso 27 anos, 18 forma na Robben Island. Transferido em
1982 para a prisão de Pollsmor, passou por mais duas transferências em anos
seguintes. Contrariando ao CNA e outros companheiros a partir de 1985 em
isolamento total, começou a negociar por conta própria. Somente em 1986 uma
carta sua, enviada no ano anterior ao Ministro da Justiça. Resumindo, em 1990
Mandela foi solto. Refunda a África do Sul e em 1993 é eleito Presidente da
África do Sul, finalizando o Apartheid e iniciando um processo espetacular de
reconciliação.
Mandela ao sair da prisão. Madiba ficou 27 anos preso. |
Mandela,
agora Presidente, tinha uma bomba nas mãos, um país dividido, e o mesmo racismo
de sempre, só que agora somado a vontade de revanche dos negros. Mandela
precisava decidir o que a sua nação seria. E decidiu. Sua decisão foi
reconciliar, ter um governo reto, onde a o passado poderia ser lembrado, porém
a construção de um futuro diferente era a prioridade. E nessa construção a
África do Sul precisava ser uma só, de Brancos e Negros. Adotou um hino que era
bem a compilação disso. A bandeira misturou as duas sensações e apoiou, o que
ninguém acreditava, o esporte preferido dos Brancos, o Rugby. E neste sentido
em 1995, quando o seu país sediou a Copa do Mundo de Rugby, aproveitou o
momento para popularizar o jogo e a espalhar o sentimento de unidade. O plano
deu certo e a partir daquele momento, aqueles que duvidavam de Mandela, ou o
achavam como representante dos negros, passou a vê-lo de outra maneira. A
África do Sul se unia, e aos poucos se transformava em um povo, mas que claro,
precisava de muitas mudanças. Em 2010 a África do Sul foi sede da Copa do Mundo
FIFA, e foi neste mesmo ano que Mandela apareceu pela última vez ao público. Ao
som de “Madiba”, o estádio o via em carrinho acenando a todos. Mandela fazia ali sua última aparição pública.
Nelson
Mandela se despede, mas retrata a nós o nosso melhor. A capacidade de lutarmos
para sermos iguais. Mandela provou que a os pequenos podem crescer e se
organizar em suas lutas. Mandela provou que a escravidão transcendeu e transcende
os séculos, e que a nossa visão deturpada do mundo precisa ser ultrapassada.
Nelson Mandela foi o maior, foi o melhor, foi único e sempre será.
Quando
recebi a notícia da morte de Mandela, viajava de volta para casa, e me lembrava
que no dia anterior, em um ponto de ônibus vi um homem ser abordado por
policiais, porque era negro. Tantas pessoas no ponto e apenas aquele homem foi
humilhado e chamado de bandido. Ainda durante a viagem, me lembrava que no
nosso país, o Racismo ainda existe e persiste a viver em uma sociedade que não
seria nada sem os negros.
Mandela
deixou muitos ensinamentos, em um deles diz: “Ninguém nasce odiando outra
pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser
ensinadas a amar.” E em outra fala aquilo que discutimos incansavelmente todos
os dias: “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o
mundo.”
Última aparição pública de Mandela na final da Copa do Mundo de Futebol e 2010, na África do Sul. |
Adeus
Mandela, o mundo não será o mesmo sem você. Sua presença nos dava o lampejo de
glória do homem, mediante a sua desgraça habitual. Adeus Madiba, que com punhos
cerrados e levantados, nos deixa o ensinamento de lutar sempre. Adeus !!!
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